Direitos indígenas: respeitá-los ou ignorá-los?



  
O presente artigo faz parte de um trabalho monográfico realizado no último ano de Direito das Faculdades de Campinas (Facamp) como requisito para conclusão do curso.

Em uma faculdade elitista, procurei abordar um tema diferente e, ao mesmo tempo, esquecido, ignorado, pela grande massa de alunos de Direito que se formam todos os anos.

Trata-se de um trabalho cujo objetivo é transparecer a questão indígena, abordando brevemente as peculiaridades históricas e fazendo uma análise legislativa completa, desde o período colonial até a vigente Carta Maior.

Durante todo o trabalho enfrentei alguns comentários de gozações a respeito do tema, até que em 2008, com a discussão sobre a demarcação das terras indígenas da reserva Raposa Serra do Sol, passei a ser um pouco mais respeitada e criticada.

Dessa forma, abordei também observações acerca da mencionada reserva, como um exemplo da dificuldade que os índios enfrentam para garantirem a posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Preço esse que custou e, ainda custa, muitas vidas.

Ocorre que, nossa Constituição também enfrenta dificuldades para se tornar eficaz e sair do papel. Ora, julgamentos são mais políticos do que jurídicos, ainda mais se tratando de imensas porções de terras, que na visão de muitos, estariam sendo desperdiçadas com aqueles de quem conhecemos pouco, mas temos uma dívida ancestral para amenizar!

Historicamente, a população indígena sempre foi massacrada e desrespeitada pela sociedade. Tribos foram dizimadas, outras expulsas de seu local de origem, e os poucos índios que restaram lutam pelos direitos às suas terras.

Desde o período colonial qualquer idéia de cultura, tradição e crenças indígenas foram ignoradas pela busca do homem branco às riquezas oferecidas pela terra. Assim, até o advento da Constituição Federal de 1988, adotou-se a política integracionista, ou seja, o objetivo era integrar o índio à sociedade, como se assim, fosse eliminado um problema, qual seja, diferenças culturais profundas entre brancos e índios, sendo os últimos impossibilitados de permanecerem no território nacional com outra cultura que não a cultura branca, evitando, dessa forma, que terras fossem perdidas para a manutenção desses povos e a preservação da identidade deles, frente à grande demanda dessas terras para destinações privadas, ou seja, econômicas.

A atual Constituição Federal ampliou de forma considerável os direitos reservados aos índios. Assim, foi um marco, tendo em vista que houve o reconhecimento da cultura indígena, da identidade do índio, passando o Estado a adotar uma política de interação entre esses e a sociedade, bem como houve a recepção explícita do instituto do indigenato.

O instituto do indigenato é uma velha e tradicional instituição dos tempos coloniais, que remonta suas raízes com o Alvará de 1° de Abril de 1680, tendo em vista que a legislação indígena durante o período colonial oscilava entre a escravidão e a garantia da liberdade. Assim, com esse Alvará foi dado aos índios o direito originário, ou congênito sobre suas terras, considerados primários e naturais senhores delas.

Ocorre que, o instituto do indigenato não foi revogado por nenhuma legislação brasileira, pelo contrário, foi sabiamente recepcionado por nossa Constituição Federal ao disciplinar em seu artigo 231, caput, que: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
(BRASIL, 1988, grifo nosso).


Todavia, mesmo com o advento da Constituição de 1988, e o reconhecimento da importância da terra para a sobrevivência indígena, ainda encontram-se ameaçados, devido interesses econômicos, o que gera inúmeros conflitos, colocando em risco a preservação da cultura, das crenças e tradições da comunidade indígena em questão.

O reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, isto é, a recepção do instituto do indigenato pela Carta Maior deve garantir a posse dos índios sobre suas terras, bem como a realização das demarcações conforme suas necessidades, acima de qualquer interesse de terceiros.

Vale ressaltar, que a posse dos índios sobre as terras onde tradicionalmente ocupam independe de legitimação, mas é importante que sejam demarcadas para aumentar a garantia de que não serão importunados por terceiros, mesmo que ainda seja fonte de disputas e discussões.
Contudo, na maioria das vezes não é isso que ocorre, mesmo com todas as garantias constitucionais relacionadas aos índios, existe o preconceito, a visão de que o índio é atrasado, impede o progresso, ocupa terras impedindo o desenvolvimento da região em que se localiza, ou ainda, idéias absurdas como: "Mas, índio não existe, existe?", "Índio acabou! Eles usam até roupa e carros!", ou, ainda "Índios, sobraram pouquíssimos, só atrapalham, devem ser integrados à sociedade!", entre outros argumentos que expressam a ignorância de uma sociedade mergulhada em ditames capitalistas e egoístas.

Por outro lado, felizmente, existem juristas já conscientizados da importância da preservação da identidade dos diferentes grupos indígenas, da importância das terras para a sobrevivência deles, bem como, admitem a importância das comunidades para a formação da identidade brasileira e a necessidade de resgatar e compensar parte do sofrimento causado a eles, devido o processo de colonização do território brasileiro, mesmo que ainda com algumas restrições políticas, conforme a leitura dos votos favoráveis à demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, tão discutida pelo STF.

Dessa forma, levando em consideração que o primeiro passo para a preservação da cultura indígena, seus costumes e tradições, é o reconhecimento do direito originário das terras que tradicionalmente ocupam, o instituto do indigenato é talvez o mais importante direito de que os povos indígenas fazem jus, já que não se pensa em índio sem pensar em terras, seu habitat.

Portanto, o assunto se faz importante em uma época que ainda existem conflitos relacionados às terras indígenas, envolvendo a força capitalista de um lado, e do outro, a força de um povo marginalizado, de direitos ignorados, que luta pela sobrevivência de sua identidade, desde o processo de colonização do país.



Agradecimentos à Ana Karina Goethe



Bacharel em Direito pela Facamp (Faculdades de Campinas), com especialização em Direito Público;

Advogada; Cursando pós-graduação em Direito Tributário.
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