A Recusa

Maurice Blanchot

Em um certo momento, face aos acontecimentos públicos, nós sabemos que devemos recusar. A recusa é absoluta, categórica. Ela não discute, nem faz com que suas razões sejam ouvidas. É por isso que ela é silenciosa e solitária, mesmo quando ela se afirma, como se deve, à luz do dia. Os homens que recusam e que estão ligados pela força da recusa sabem que não estão ainda juntos. O tempo da afirmação comum lhes foi, precisamente, retirado. O que lhes resta é a irredutível recusa, a amizade desse Não certo, inabalável, rigoroso, que os mantém unidos e solidários.

O movimento de recusar é raro e difícil, mesmo que igual e o mesmo em cada um de nós, desde que nós o apreendemos. Por que difícil? È que é preciso recusar não apenas o pior, mas uma aparência razoável, uma solução que diríamos feliz. Em 1940, a recusa não teve que se exercer contra a força invasora (não aceitá-la era evidente), mas contra esta oportunidade que o velho homem do armistício, não sem boa fé nem justificações, pensava poder representar. Dezoito anos mais tarde, a exigência da recusa não interveio a respeito dos acontecimentos do 13 de maio (que se recusavam por si mesmos), mas face ao poder que pretendia nos reconciliar honradamente com eles, através da autoridade única de um nome.

O que nós recusamos não é sem valor nem sem importância. É bem por causa disso que a recusa é necessária. Há uma razão que nós não aceitamos mais, há uma aparência de sabedoria que nos horroriza, há uma oferta de acordo e de conciliação que nós não ouviremos. Uma ruptura se produziu. Nós fomos levados a esta franqueza que não tolera mais a cumplicidade.

Quando nós recusamos, nós recusamos através de um movimento sem desprezo, sem exaltação, e anônimo, tanto quanto possível, pois o poder de recusar não se realiza a partir de nós mesmos, nem em nosso nome apenas, mas a partir de um começo muito pobre que pertence antes àqueles que não podem falar. Dir-se-á que hoje é fácil recusar, que o exercício desse poder comporta poucos riscos. È sem dúvida verdade para a maioria de nós. Eu creio, entretanto, que recusar não é nunca fácil, e que nós devemos aprender a recusar e a manter intacto, pelo rigor do pensamento e pela modéstia da expressão, o poder de recusar que doravante cada uma de nossas afirmações deveria verificar[1].



Maurice BLANCHOT, “Le refus”, L’Amitié, Paris, Gallimard, 1971, p. 130-131.

[1] Como exceção, eu indico quando e onde esse pequeno texto foi publicado pela primeira vez: em outubro de 1958, no número 2 do 14 Juillet. Ele foi escrito poucos dias depois que o General de Gaulle retornou ao poder, carregado, desta vez, não pela Resistência, mas pelos mercenários. (N. do A.)





Tradução: João Gomes da Silva Filho.
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