Fé, um conflito no novo mundo e suas dissonâncias e consonâncias no hiato dos séculos XV-XVI.




Fé, um conflito no novo mundo e suas dissonâncias e consonâncias no hiato dos séculos XV-XVI.

Pro. Jocimar Vieira.

 Introdução.

Através deste, texto, venho na tentativa de entender o intervalo temporal nos últimos anos do século XV e ao longo do século XVI, onde o mundo foi permeado por uma junção de ideias e causas como: econômicas, políticas e religiosas, e com o acréscimo de um sentimento de aventura.
 Assim, no fim da idade Média e começo da Moderna, em meio as Grandes Navegações da história, o Clero, em seu expansionismo territorial vem usando artifício, como narrativas para enriquecer o imaginário da sociedade.
Deste modo, em uma interpretação de Sérgio Buarque de Holanda e Eduardo de Almeida Navarro na Historia das Mentalidades com a investida de integrar estes, autores distintos.
Desenvolvimento.
O eixo descritivo deste texto são, as causas religiosas que fomentou todo o imaginário europeu, sustentado pela filosofia escolástica de São Tomas de Aquino(Tomismo)“representou, a parti, do século XIV, uma espécie de doutrina oficial da igreja romana. Identificada com estrutura de poder do papado, o Tomismo, sistema filosófico e teológico, transformou-se numa visão de mundo imposta aos cristãos, ora moralmente, ora coercitivamente, sob a forma de escolástica, isto é de posição oficial ensinada nas escolas religiosas com esta orientação.” (Formação do Brasil Colonial, p.31).
Contudo, está filosofia seria combatida no século XV, pela Reforma Protestante, mas será retomado na Península Ibérica, a partir dos anos seiscentos como braço espiritual do Estado absolutista na tentativa de conter o crescimento do protestantismo, somando-se a ideia de cruzada fundamentada e estimulada pela igreja de Portugal com apoio do Papa através de bulas, Sani Charissimus, de 1418, e a Rex Regum, de 1436, que concede aos Lusitanos o status de Cruzada.
Assim, os primeiros movimentos de ampliação concentraram-se em Ceuta e prolongando seus domínios, conquistando Arzila em 1471, mas havendo uma barreira Muçulmana que fez a expansão portuguesa direcionar-se para o oceano Atlântico, o “Mar Tenebroso”, dando inicio a política de espalhamento com a ocupação das ilhas Madeira, Porto Santo, Açores e Cabo Verde.
Para em seguida ser colonizado, num clima de disputa com os espanhóis, e em uma jogada política o infante Dom Henrique, o Navegador, conseguiu do Santo Padre a bula Etsi Suscepti, de 1442 que concede a posse e administração das ilhas do mar oceano.

Partindo para uma perspectiva dos autores supracitados em “Visão do Paraíso” e “A terra sem Mal, o Paraíso Tupi-guarani.

         No prefácio da segunda edição de seu livro(Visão de Paraíso), Holanda explica que a colonização da América, foi considerada e registrada como a conquista do paraíso, o Éden bíblico prometido por Deus, de norte a sul, assim os ingleses, espanhóis e portugueses tinham em comum a ambição de fazer dessas terras um lugar de liberdade e prosperidade, mas houve diferenças fundamentais nas estruturas  e estratégias de colonização de ambas.

Portugueses e espanhóis compartilhavam a moral e ética católica de base feudal, já os ingleses se fundamentavam, em ethos calvinista trazendo uma visão mais moderna de predestinação, determinando diferenças essenciais entre as duas Américas, “o fato de os sectários calvinistas, quando no primitivo deserto ou selva plantaram seu jardim, e dos católicos espanhóis e portugueses, quando se viram atraídos pelo Eldorado em seu paraíso terreno serem homens que deixaram o velho mundo movidos por sentimentos profundamente diversos, haveria de os livrar à formulação de padrões de vida tão apartados uns dos outros que os efeitos destes marcam até hoje os comportamentos contrastantes de seus netos neste continente.” (Visão do Paraíso, p.XIII).

Em suma, os latinos vinham buscar no paraíso os tesouros e a fonte da juventude, e os Anglo-saxões buscavam um éden para se estabelecerem com suas famílias, sem a opressão religiosa que estava em voga no velho mundo, entretanto, concordavam em um aspecto, seja ele cristão eurocêntrico ou patriarcal, a ideia do direito divino.

Assim entende-se que a conquista das Américas é uma progressão das disputas entre protestantes e católicos, “Tais aspectos ficariam de todo vedados à nossa compreensão se nos valêssemos, só dessas chaves mais toscas e desgastadas que poderia fornecer eventualmente a distinção entre católicos e reformados de um modo geral.” (Visão de Paraíso, p.XIII)

E no capítulo Experiência e Fantasia, 1° parte Holanda diz que nos séculos XIV e XV, no período de transição entre o misticismo e ocultismo religioso para o racionalismo e o cientificismo moderno.

O colonizador vem com uma mentalidade em transição, ou seja, o homem do renascimento, durante o choque das civilizações tinha a visão mágica do novo mundo com mais o respeito das causas e efeitos dos fenômenos em todas as circunstancias da aventura, igualmente, com ideias em atrito, como o materialismo do mercantilismo e as práticas hierárquicas e espirituais da igreja. Pairava uma obsessão pela ficção e uma ambição pela riqueza material, num alicerce da formação do homem que se estabelecia nas Américas.

Já na 2° parte do mesmo caput, diz que a fantasiosa visão do paraíso era inversamente proporcional à experiência vivida, pois, quanto mais experimentações convertem-se em relatos escritos e falados, mais imaginativo, paradisíaco, inocentes e extraordinários esse novo mundo era representado, “não era essa, então, a atitude comum entre povos navegadores já às primeiras notícias de Colombo sobre as suas Índias tinham começado a desvanecerem-se naquele novo mundo os limites do possível. E se todas as coisas ali surgiam magníficas para quem as víeis com os olhos da cara, apalpou com as mãos, colocou com os pés, não seria estranhável que elas se tornassem ainda mais portentosas para os que sem maior trabalho e só com ouvir e sonhar se tinham por satisfeito.”(Visão do Paraíso, p 5-6)

E semelhante foi a expansão à África, neste período de renascimento muitos esforços se faziam em sintonizar as experiências obtidas, o conhecimento sobre sociedades e geografias às verdades bíblicas.

A expansão do velho mundo limitada à África subsaariana e as Índias orientais iam passo a passo, complicando as explicações sobre a criação e descrição do mundo.

Quando se atingiu o outro lado do Atlântico o problema continuou a se apresentar, sem perder a essência mágica e religiosa de justificativas para ações colonizadoras, tais como a construção de paradigmas do bom selvagem como filho puro de Adão, a terra sem males onde não há doenças, a cidade sagrada construída de ouro, as especiarias e a abundância de riqueza deram ainda mais vivacidade à visão do paraíso.

Então, após analisar estes três capítulos do livro de Holanda em relação da consciência coletiva na transição do Medievo para o Renascimento.

Integraremos a História em uma reflexão na conjuntura de Eduardo de Almeida Navarro, que nos permite ponderar em uma ampliação de temas e recortes, a partir de novos rumos a serem seguidos.

Logo, temos como arquétipo “a descoberta das Américas” que rigorosamente enquadrou as existências geográficas, culturais e sociais nos planos europeus de interpretação do homem e do mundo em uma abstração bíblica do gênero humano aceita desde a antiguidade.

Deste modo, a religião e os mitos indígenas foram suprimidos com o conceito europeu do sec. XVI.

Diferente da ideia de Navarro que explica em seu texto (Terra sem mal, o paraíso tupi-guarani), que as crenças dos Tupis Guaranis em sua essência acreditavam em terra sem mal, compreendendo o paraíso como superação da morte e ordem social e política, “Paraíso de homens-deuses, que teria uma realização histórica e uma localização geográfica.” (Navarro, p. 61).

Pois, esta abstração conduziu grandes migrações de índios pala América do sul e a imagem de imortalidade, na visão de Navarro, foi incorporada ao conceito de vida eterna do cristianismo, assim levando uma série de questões, tais como incluir os nativos da terra no traçado de compreensão do homem e do mundo em uma época em que a bíblia era considerada em sua literalidade, uma vez que, os índios tinham uma religião sem templos, sem adoração de ídolos, sem sacrifícios  de animais e sem representações figuradas de divindades, logo a doutrina dos Tupis-guaranis no início passou despercebida para os europeus acreditando que tivessem nenhuma.

Então, como incluí-los na história da humanidade, que outrora Santo Agostinho afirmava a unicidade do ser humano nas escrituras sagradas como dizia que, a palavra dos apóstolos correria toda a terra, chegando ao novo mundo.

  Segundo, Manuel da Nóbrega, a doutrina cristã foi transmitida aos nativos do novo mundo na antiguidade pelo apóstolo São Tomé e consolidando-se nos séculos XVI e XVII, mas, isto foi traduzido do mito de Sumé, herói civilizador dos Tupis a quem atribuíam principalmente o conhecimento que tinham da agricultura e de sua organização social.

Assim, os portugueses usaram a semelhança sonora das palavras “Sumé” e “Tomé”, para inculturar os dogmas cristãos, aproveitando a concepção de alguns missionários que afirmaram a inocência dos índios, “desse modo, se o índio tinha valores espirituais admiráveis, se podiam respingar no discurso indígenas parcelas da verdade cristã, isso seria um indício de pregação do apóstolo Tomé no passado” (Navarro p, 63).

 Esses valores espirituais significava uma ideia cristã adormecida e esquecida da doutrina que foi ensinada há muito tempo e transmitida oralmente assim chegando incompleta e fragmentada, portanto, levando a vida que deveriam corresponder ao conhecimento pleno da palavra de Deus.

Mas, este discurso eurocêntrico nos mostra, um projeto de inculturação para constituir uma aculturação, assim consolidando a “humanização”.

Entretanto, os Tupis-guaranis compreendiam uma crença sem teologia sistematizada e nenhum discurso sobre divindade ou panteão para venerar. Além disso, a natureza de seus princípios era a terra se mal diferente do paraíso cristão (edênico) conquistado somente após a morte, já na terra sem mal é acessível aos vivos e com existência geográfica e realização histórica, no entanto o falecimento não se tornaria condição necessária para atingi-la, “não admite à temporalidade histórica, a imanência como seu elemento componente como quer a teologia da libertação(Navarro, p. 65).

Ou seja, excede a ideia do tempo, opondo-se a vida social anulando a ordem estabelecida, assim não existindo um messianismo verdadeiro.

Desse modo, sendo um espaço real exigindo migração para encontrá-la feita há séculos pelos Tupis-guaranis causando deslocamento de milhares de pessoas pela superfície sul americano.

Conclusão.

Então os primeiros nativos que entraram em contato com os portugueses no século XVI, em toda costa brasileira chegaram ali através da busca da Terra sem Mal, pois imaginavam que o paraíso estivesse no meio do oceano.

Logo, o embate entre duas crenças distintas, com o mesmo fim, o paraíso, prevaleceu a mais sistemática, portanto os portugueses a princípio conseguiram encontrar seu paraíso, já os índios estão procurando.

Bibliografia.

Wehling Arno. Wehling Maria José. Formação do Brasil Colonial. 3° ed. RJ: Editora Nova Fronteira S.A, 1999. 31 p.

Holanda Buarque Sérgio. Visão do Paraíso. 6°. Ed. SP: 2004. P. IX-XXIV 1-15.

Navarro de Almeida Eduardo. A terra sem Mal, O paraíso Tupi-guarani. 2°. Ed: 1995. P. 61-71.
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